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sexta-feira, 11 de março de 2011

MEDICINA E RELIGIÃO: EVITANDO UMA CONFUSÃO DAS ORDENS

É necessário reconhecer a importância das religiões na constituição das sociedades e dos indivíduos. Dado este reconhecimento, a medicina não pode negar a dimensão religiosa do sujeito, mas cabe aqui perguntar: quais são os limites da relação entre medicina e religião? Até que ponto é recomendável, para uma boa prática médica, que o médico, a partir de suas próprias convicções, proponha apoio religioso ao paciente.

Atender ao ser humano que adoece e sofre é o papel central da medicina. O ser humano que adoece e sofre não o faz somente em sua dimensão física ou biológica, mas sim em sua integralidade. O que se pode entender por integralidade? A resposta pode ser encontrada no movimento da Medicina Integral, que surgiu nos EUA, na década de 1940, o qual cunhou a expressão biopsicossocial. Desta forma, deve-se compreender o ser humano em sua dimensão biológica, mental e social.

Na mesma época, a Organização Mundial da Saúde contemplou este princípio da integralidade em sua definição de saúde. Mais recentemente incorporou-se a dimensão espiritual.

Reconhecer a dimensão do sagrado é necessário. O médico deve perceber as crenças e valores religiosos de seus pacientes e respeitá-los, sejam eles quais forem, sem, no entanto, interferir neles.

A medicina, para ser ética, deve ser centrada nas necessidades do paciente e não nas do médico. A demanda por apoio religioso deve ser sempre do paciente, não devendo jamais partir do profissional, sob risco de causar constrangimentos ao paciente. Quem está doente é o paciente, e sua subjetividade deve ser respeitada. Este sujeito que adoeceu está fundado, estruturado nos próprios valores e crenças e não naqueles em que o médico acredita.

O médico irá, sim, desenvolver um papel educativo no sentido dos hábitos saudáveis, mas isto não inclui o direito de, por meio de gestos ou palavras, induzir o paciente a aceitar ajuda religiosa que o mesmo não tenha solicitado.

É sempre bom lembrar que as palavras-chaves para o bom convívio religioso são: liberdade, tolerância e respeito.

As orientações sobre estilos de vida saudáveis para a prevenção, ou controle das doenças, ou mesmo para promoção da saúde, são validadas pela ordem das ciências; portanto, mais universalmente aceitas, o que dá ao médico o direito e o dever de transmiti-las. Este conhecimento é coletivo e compartilhado pela sociedade, quase por consenso. O direito concedido ao médico pelo paciente, para que aquele interfira na vida deste está tacitamente ancorado nas ciências.

Quando o médico se permite expor suas convicções religiosas e oferecê-las como apoio, está invadindo um terreno para o qual não recebeu permissão. Está fazendo uma confusão das ordens. A ordem do sagrado é privativa do sujeito e não pode ser invadida, principalmente numa relação desigual como entre médicos e pacientes.

Claro que, com isso, não se está negando a ordem do sagrado, apenas preservando-a como espaço inalienável e protegido do paciente.

Resta, no entanto, reconhecer que o próprio paciente pode, ao perceber-se fragilizado pela doença, solicitar apoio religioso e aí pode ser uma visão religiosa de natureza totalmente diversa daquela do médico. Neste caso, o médico deve estar preparado para aceitar, respeitando o desejo do paciente.

O que se defende é que, como o centro da atenção médica é o paciente, cabe apenas ao paciente, e somente a ele, a manifestação de suas necessidades religiosas.

O que é sagrado para o médico pode ser profano para o paciente, e isto deve ser respeitado.

Há, obviamente, algumas exceções: aquelas situações em que médico e paciente já compartilhavam do mesmo grupo religioso, antes mesmo do contrato terapêutico. Mas, mesmo aqui é preciso ter cuidado para não se fazer uma confusão das ordens.

Alguém poderia argumentar que, se o médico não abre a possibilidade do apoio religioso, o paciente não o pediria, por sentir-se constrangido. Para se evitar este problema propõe-se que, na anamnese (entrevista inicial), se inclua uma anamnese espiritual e que se contemplem informações relacionadas às crenças religiosas do paciente e de que forma elas são mobilizadas em relação a sua saúde ou doença. Desta forma, o canal de comunicação entre médicos e pacientes ficaria permeável ao tema, mas, nesta via, a mão preferencial é sempre aquela que parte do paciente.
Assim, não se está negando a dimensão religiosa da relação da saúde e da doença, mas apenas colocando-se que é a estrutura psíquica, espiritual e social do paciente que deve ter prioridade na abordagem terapêutica, ou seja, o paciente deve ser respeitado como sujeito estruturado e singular e não como objeto manipulável.

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