A importância das homossexualidades para as religiões
Gilmaro Nogueira
A construção da homossexualidade enquanto uma identidade sexual
associada à doença foi um empreendimento que tinha por objetivo
apresentar a família burguesa como superior e em especial a
heterossexualidade enquanto uma experiência privilegiada. Assim, a
heterossexualidade necessita da homossexualidade.
No caso do discurso religioso, que se constrói no modelo de oposição:
divino versus secular, ou divino versus mundano, é preciso à existência
de contrapontos. No Brasil, os evangélicos e protestantes utilizaram
como contraponto o catolicismo, e em especial o uso de imagens
religiosas. O discurso dos neopentecostais cresceu utilizando como
contraponto as religiões de matrizes africanas. Na Argentina o grande
inimigo é a psicanálise, e assim, a religião constrói seus inimigos de
acordo com o contexto.
Algum tempo atrás esses religiosos mantinham um comportamento muito
diferente das outras pessoas: modos de vestir (mulheres não usavam
calças e roupas curtas), de se divertir (não dançavam por exemplo) e
até o modo como vivenciavam a sexualidade (a castidade era muito mais
exigida que hoje). Nos últimos anos, esses padrões de comportamento vêm
sendo flexibilizados e com a popularização e crescimentos dessas
religiões às vezes é difícil saber quem é evangélico, neopentecostal ou
católico por exemplo – um apagamento das diferenças.
Essa flexibilização do comportamento aumenta o número dos seguidores,
pois hoje, nem todas as pessoas querem se adaptar ao discurso
religioso, ao contrário, parece mais comum que muitas religiões se
adaptem aos sujeitos, para então torná-los seguidores, e assim, temos
igrejas para surfistas, lutadores de MMA, funkeiros, etc – o vale tudo
para conquistar fiéis.
Com essa adaptação da religião aos modos de vidas mundanos é preciso
que o discurso religioso tenha alguma forma de apresentar esses sujeitos
como obedientes à palavra de Deus e diferentes das pessoas consideradas
pecadoras, ou seja, é preciso construir o pecador, e/ou grandes
pecados. Sem a figura do pecador, do sujeito que vai para o inferno, não
tem como coagir as pessoas a se sacrificarem para irem ao “céu”,
pagarem o dízimo e lotar os templos.
Esses sujeitos que vão ao céu, que já conquistaram o reino de Deus
podem: mentir, fazer fofocas (uma das coisas que mais ocorrem nessas
igrejas), incitar a violência, fazer sexo antes do casamento (antes isso
era considerado pecado muito mais grave), e ainda assim sentir-se
homens e mulheres divinos, desde que sejam heterossexuais.
A heterossexualidade confere a esses indivíduos uma espécie de
superioridade, um apagamento dos pecados cometidos; “cometo pecado, mas
não sou homossexual”. O discurso religioso tem um inimigo para lutar, um
modo de se apresentar como não-mundano, diferentes, criaturas divinas. A
heterossexualidade desses sujeitos lhes confere a sensação de estarem
de acordo com a vontade de Deus. Mas só existe heterossexualidade, se
houver o oposto, assim, eles precisam da homossexualidade.
Não só a homossexualidade, mas as posições contrárias aos
comportamentos considerados grandes pecados parecem sustentar tais
posições, como o aborto por exemplo. Cito a homossexualidade porque
parece ser o maior temor desses sujeitos.
Esse temor da homossexualidade revela algo inusitado: essas
heterossexualidades não são tão convictas, senão não se sustentariam no
discurso do medo.
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