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domingo, 29 de setembro de 2013

Rafael Pondé: poeta afro


Aos 37 anos, o cantor e compositor  Rafael Pondé lança Afrika Bahia, disco em  que busca resgatar e atualizar a relação musical entre a Bahia e o continente africano.

Quando criança,  Rafael Pondé não entendia o que nem por que dona Maria, sua avó-mãe, guardava com tanto carinho um pequeno baú ao lado do armário. Aos 11 anos, após a morte dela, ele descobriu que havia herdado o tal baú. Dentro, havia um recado musical:  uma sanfona, que ela havia tocado na juventude. Rafael nunca aprendeu, mas entendeu a mensagem.
Na adolescência, escolheu o violão e começou a dar vazão às letras que pintavam  em sua cabeça. A coisa só ficou séria quando ele entrou na faculdade de arquitetura, na Ufba. Com os colegas, formou a Diamba,  com a qual percorreu o País entre  1996 e 2002. "Era natural que tocássemos Bob Marley. Mas a música que eu fazia ia além daquele reggae one drop, mais enjoativo. Misturávamos xote, soul e jazz". 
A herança musical de Rafael estava marcada ainda em um testamento mais antigo. Seu tio-avô, Humberto Porto, foi um dos primeiros compositores a tematizar a afro-baianidade, em canções como Na Bahia e História de amor. Gravado pela elite da música brasileira dos anos 1930, como Carmen Miranda, Dalva de Oliveira  e Herivelto Martins, e pioneiro no uso do iorubá na música nacional, Humberto teve na marcha A Jardineira, composta em parceria com Benedito Lacerda,  seu maior êxito. "Não fazia ideia de quem ele tinha sido, era um assunto delicado na família, principalmente por causa do suicídio dele, que  morreu muito jovem, aos 35 anos".
Novíssimo Baiano
A veia eclética fez Rafael abandonar  a Diamba em busca de outras experiências. Junto com uma banda formada em paralelo, ele compôs e inscreveu a canção Fulô no Festival Universitário de Música da Uesb, em Vitória da Conquista, em 1998. Não levou o primeiro lugar, mas ganhou a bênção de Waly Salomão, que ajudou a divulgar o trabalho, cravando  notas elogiosas em jornais, nas quais o inseria no hall dos "novíssimos baianos".  Foi Waly quem o levou para São Paulo, para gravar nos estúdios da  Trama, de João Marcelo Bôscoli, filho de Elis Regina.
Nômade, ele buscou inspiração nas diversas cidades onde morou. Veio dessas andanças o primeiro disco, Átomos, palavras e canções, de 2004. Em 2005, Rafael foi convidado pela Natiruts para tocar guitarra nos shows. Deixou a  Bahia, foi viver em São Paulo. Após um ano e meio, já solo, gravou Horizonte vertical, em 2006, e o acústico Eu e meu violão (2007). Os pocket shows na europa tornaram-se frequentes.  Sorriso de flor, o quarto trabalho, foi gravado  em 2009, nos estúdios da Peppermint Park, em Hannover, com uma banda enxuta, composta por músicos alemães, e mixado por Hans-Martim Buff, cultuado engenheiro de som que já trabalhou com Prince, Joss Stone e Scorpions.
Neste trabalho, o  suingue africano já podia ser sentido em  canções como Ela deixou o mar, que até hoje integra seu repertório. Foi no velho mundo que conheceu a equipe do selo alemão Return of Music, que passou a agenciar sua carreira. Do penúltimo álbum, também veio o primeiro sucesso comercial. Com batidas de drum'n'bass emprestadas pelo DJ Roots, a faixa-título  ganhou as pistas, atingiu o topo das paradas em Londres e caiu nas graças de Marky Mark e Patife, dois embaixadores da música eletrônica brasileira no exterior. 
Para Rafael,   um marco  nessa trajetória  foi tocar no  Weltkultur, festival alemão, antes de Tony Allen, baterista de Fela Kuti. "O diretor do evento   já chegou  cantando a minha música em português", diverte-se.   Em 2010,  ele voltou ao Brasil e decidiu morar no Rio de Janeiro. "Foi importante, porque conheci muitos artistas e colaborei com outros baianos que estavam por lá, como Mariela Santiago". Nesse período, conquistou a amizade e a admiração do cineasta Hélio Rodrigues, que dirigiu  O novíssimo baiano,  curta documentário que passa a limpo sua carreira e sua música.
"Foi uma experiência incrível.  Hélio entendeu  meu trabalho, e ele é um pesquisador, tem um conhecimento  profundo da música brasileira".  Ainda no Rio de Janeiro, Rafael fez um show emblemático no Teatro do Solar de Botafogo, do qual participaram Mariela Santiago,  Magary Lord e Letieres Leite, entre outros. A semente de Afrika Bahia  havia sido plantada.
Rafael define o novo trabalho como "da vida toda", especial também por marcar sua estreia na produção. "Este é um disco conceitual. Descobri que a minha identidade são todas as identidades".  As participações são muitas, e  o disco propõe um diálogo com as expressões musicais da África, resgatando  e atualizando ritmos do continente. Depois de ter flertado com o pop mais comercial no trabalho anterior, Rafael parece apostar agora  em sua herança musical.
A pesquisa  o colocou em contato com a coladeira cabo-verdiana, ou o zouk, como o conhecemos, e com os ritmos do Mali, popularizados por Salif Keita. Até A Jardineira do seu tio-avô ganhou um acento percussivo, deliciosamente dançante, que reúne  tambores e o coro de vozes do grupo percussivo Quabales, do Nordeste de Amaralina - que promove um retorno às origens do samba-reggae, baseado apenas  em tambores e vozes.
A ligação com a Jamaica pode ser sentida em Afrika Dub, que conta com as participações de Magary e do percussionista senegalês Doudou Coumba Rose. Em Malemolência do baiano,  Peu Meurray toca pneus.  "Muitas dessas tradições musicais se perderam na África e se mantêm preservadas aqui na Bahia.  Eu quis fazer uma obra coletiva. Acredito que esse resgate da musicalidade afro-baiana é muito forte para um artista fazer sozinho".

Confira músicas e imagens em:  http://rafaelponde.com/



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